A Europa sabe que a ação climática é vital para garantir a segurança mundial
As alterações climáticas são já um importante multiplicador dos riscos inerentes aos conflitos e às situações de instabilidade. Desde 2008, fenómenos meteorológicos extremos, como inundações e vagas de calor, provocaram a deslocação forçada de mais de 20 milhões de pessoas por ano. Em 2050, mais de mil milhões de pessoas poderão ter um acesso insuficiente à água, e mais de 200 milhões poderão ser forçadas migrar.
A escassez de água e de alimentos está na origem de violentos conflitos no Sael, no Corno de África e noutras partes do mundo. Dos 20 países mais vulneráveis às alterações climáticas, 12 estão envolvidos em conflitos. Os países sob o controlo de regimes autoritários estão a tirar partido desta situação de turbulência para tentar exercer influência sobre os governos frágeis a fim de garantir o acesso às matérias-primas. A menos que os nossos esforços de mitigação e adaptação sejam suficientes para fazer face à crise climática, estas tendências acelerar-se-ão e propagar-se-ão, o que terá consequências verdadeiramente catastróficas.
A União Europeia está a fazer todos os possíveis para evitar que a situação assuma tais proporções. Graças ao Pacto Ecológico Europeu pretendemos, até 2030, reduzir as nossas emissões de gases com efeito de estufa em, pelo menos, 55 %, garantir que mais de 42,5 % da nossa energia provenha de fontes renováveis e aumentar a eficiência energética em, pelo menos, 11,7 %. Esforçar-nos-emos por alcançar a neutralidade climática até 2050.
A fixação de um preço para as emissões de dióxido de carbono está no cerne da estratégia que adotámos para alcançar estes objetivos. No entanto, se fixarmos um preço apenas para o carbono produzido na UE estaremos simplesmente a empurrar as atividades que exigem uma utilização intensiva de carbono para fora das nossas fronteiras. Esta «fuga de carbono» provocaria uma perda de postos de trabalho a nível da UE sem provocar qualquer redução das emissões a nível mundial.
Foi por este motivo que decidimos criar um Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM), , que garanta que as importações com maior intensidade carbónica sejam sujeitas a um preço do carbono consentâneo com o que é aplicado às mercadorias europeias. Não se trata de uma medida protecionista. Trata-se, muito pelo contrário, de um passo necessário para garantir que as ambiciosas medidas que adotámos em matéria de descarbonização possam contribuir para proteger o clima a nível mundial.
Queremos igualmente assumir a responsabilidade pelas emissões de gases com efeito de estufa produzidas, fora da UE, devido ao nosso consumo de bens importados, razão pela qual estamos a tornar a nossa política comercial «mais ecológica». Mais especificamente, queremos assegurar que os produtos que importamos deixem de contribuir para a desflorestação, fenómeno que constitui uma das principais ameaças ao clima e à biodiversidade. Estamos conscientes de que os requisitos decorrentes desta legislação da UE estão a causar tensões com alguns dos nossos parceiros. Estamos dispostos a apoiá-los na aplicação destas medidas e a enfrentar, em conjunto, o desafio da desflorestação.
A transição ecológica vai perturbar o equilíbrio de poderes a nível mundial. Para a UE, este processo trará não só vantagens mas também riscos. Por um lado, reduzirá a nossa dependência dos combustíveis fósseis, dependência essa que, como foi demonstrado pela guerra da Rússia contra a Ucrânia, acarreta elevados custos políticos e económicos. Por outro lado, poderá criar novas dependências, nomeadamente em relação aos produtores de matérias-primas essenciais. A fim de evitar esse resultado e reforçar a nossa segurança temos imperativamente de garantir a diversidade do nosso aprovisionamento. Para esse efeito, devemos reforçar os nossos laços com a África, a América Latina e a Ásia Meridional, desenvolvendo parcerias que permitam gerar valor acrescentado e empregos nos países parceiros.
Muito embora a Europa seja historicamente responsável por grande parte das alterações climáticas, neste momento somos apenas diretamente responsáveis por 7,5 % das emissões mundiais, o que significa que as medidas que adotarmos a nível da Europa terão um impacto limitado a nível mundial. A única solução para as alterações climáticas é uma solução global. Numa altura em que o multilateralismo está a ser alvo de uma pressão crescente, um acordo sobre as modalidades de cumprimento dos objetivos fixados na COP 21, em Paris, não só garantiria um futuro seguro para os nossos filhos, como demonstraria também que as instituições multilaterais ainda conseguem produzir resultados.
A COP 28 deverá forçar o mundo a passar a uma velocidade superior. A UE está empenhada em promover a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e de todos os subsídios de que beneficiam, em duplicar as medidas em prol de uma maior eficiência energética e em triplicar a capacidade de produção de energias renováveis a nível mundial. Para que tal aconteça precisamos, antes demais, de obter a adesão das outras economias industrializadas, bem como da China, que, apesar dos enormes progressos que realizou em matéria de energias renováveis, continua a queimar mais carvão do que todos os outros países reunidos.
A transição ecológica só será bem-sucedida se for justa e for benéfica para todos. Os países mais vulneráveis às alterações climáticas, que pouco contribuíram para as mesmas, arriscam-se sofrer a maior parte das suas consequências. Muito embora tenham de participar na corrida mundial rumo a uma economia com impacto neutro no clima, merecem beneficiar de mais apoio no que respeita às adaptações climáticas e à transição ecológica. A UE está disposta a fornecer-lhes esse apoio e, com a ajuda dos nossos parceiros, a evitar repetir os erros do passado.
A UE, os seus Estados-Membros e as suas instituições financeiras são já os que mais contribuem para financiar a ajuda pública aos países em desenvolvimento na sua luta contra as alterações climáticas, tendo, em 2022, efetuado uma contribuição de 28,5 mil milhões de euros (30 mil milhões de dólares). Os países desenvolvidos, por sua vez, estão também, finalmente, no rumo certo para alcançar o objetivo de mobilizar, anualmente, 100 mil milhões de dólares para financiar os esforços de adaptação e mitigação das alterações climáticas nos países em desenvolvimento Mas temos de pensar no que acontecerá após este compromisso, que termina em 2025.
Chegou o momento de alinharmos os fluxos de financiamento, tanto públicos como privados, pelos objetivos fixados no Acordo de Paris e de fazermos passar o financiamento da ação climática dos milhares de milhões para os biliões. Simultaneamente, as instituições financeiras internacionais e os bancos de desenvolvimento multilaterais precisam também de ser reformadas, a fim de poderem fazer mais para apoiar o fornecimento de bens públicos mundiais. E o novo Fundo para Perdas e Danos precisa de ser dotado de uma capacidade financeira adequada. As primeiras grandes contribuições anunciadas são encorajadoras. Mais uma vez, a China será um parceiro indispensável.
Num mundo cada mais bipolar, definido pelo retorno da política das grandes potências, a ideia de uma cooperação internacional concertada pode parecer inconcebível. No entanto, perante um tal desafio existencial mundial teremos de ser bem sucedidos.
Josep Borrell, alto representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, é vice-presidente de Uma Europa mais Forte no Mundo, uma das grandes ambições da Comissão Europeia.
Wopke Hoekstra é o Comissário Europeu da Ação Climática.
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