Rentrée 2021: Afeganistão e outras questões
"A definição da nossa política externa e de segurança europeia continua a ser um "trabalho em curso". Estamos a avançar, mas temos de garantir que a velocidade da mudança é a mesma no mundo que nos rodeia, no Afeganistão e noutros locais."
A crise no Afeganistão não terminou. Temos de decidir como lidar com os talibãs e retirar ilações desta crise para a nossa ação no resto do mundo e para a nossa política de defesa.
Durante a nossa reunião com os ministros dos Negócios Estrangeiros, o chefe da Agência das Nações Unidas para os Refugiados no Afeganistão explicou a terrível situação humanitária no país. Para fazer face a esta dramática crise humanitária em curso e ajudar as pessoas que ainda pretendem sair do Afeganistão, temos de dialogar com os talibãs. No entanto, dialogar não significa reconhecer.
O nível e a natureza deste diálogo dependerão das ações do novo Governo. Chegámos a acordo com os ministros dos Negócios Estrangeiros da UE sobre os seguintes cinco critérios:
1. O compromisso de que o Afeganistão não servirá de base para a exportação de terrorismo para outros países.
2. O respeito pelos direitos humanos, em particular os direitos das mulheres, pelo Estado de direito e pela liberdade dos meios de comunicação social.
3. A criação, por meio de negociações, de um governo de transição inclusivo e representativo.
4. O livre acesso à ajuda humanitária, respeitando os nossos procedimentos e condições para a prestação da mesma.
5. Permitir a saída de cidadãos estrangeiros e afegãos em risco que pretendam sair do país, em conformidade com o que já foi decidido pela Resolução 2593 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A fim de avaliar a aplicação dos critérios acima referidos e de permitir uma intervenção operacional eficiente no terreno, decidimos coordenar os nossos contactos com os talibãs, nomeadamente através de uma presença comum da UE em Cabul coordenada pelo Serviço Europeu para a Ação Externa, se estiverem preenchidas as condições de segurança. A partir daí, poderíamos apoiar a saída de nacionais europeus que ainda se encontram no Afeganistão e de afegãos em risco, que poderiam ser recebidos na União Europeia pelos Estados‑Membros que assim o decidam. Muitos nacionais de Estados‑Membros da UE ainda se encontram no Afeganistão, bem como afegãos que têm vindo a cooperar com eles ou que foram identificados como pessoas em risco.
A necessidade de reforçar as relações com os vizinhos do Afeganistão
Precisamos também de reforçar as relações com os vizinhos do Afeganistão e com os intervenientes regionais. Decidimos que, sob os auspícios do Serviço Europeu para a Ação Externa, a UE lançará uma plataforma política regional de cooperação com os países vizinhos do Afeganistão. Esta plataforma política terá em conta a gestão dos fluxos migratórios provenientes do Afeganistão; a prevenção da proliferação do terrorismo; a luta contra a criminalidade organizada, incluindo o tráfico de droga e o tráfico de seres humanos. Trata‑se de um passo muito necessário para estabilizar toda a região. Evidentemente, coordenar‑nos‑emos estreitamente com os Estados Unidos e as Nações Unidas, bem como com outros parceiros e organizações regionais no âmbito do G7 e do G20.
Além disso, há mais ensinamentos a longo prazo a retirar desta situação, alguns dos quais enumerei num artigo de opinião publicado quarta‑feira passada no The New York Times. Já começámos a debatê‑los em ambas as reuniões, bem como com o secretário‑geral adjunto da OTAN, Mircea Geoană, e com o secretário‑geral adjunto das Nações Unidas, Jean‑Pierre Lacroix.
"O Afeganistão demonstrou de forma contundente que as deficiências na capacidade da UE de agir de forma autónoma têm custos."
O Afeganistão demonstrou de forma contundente que as deficiências na capacidade da UE de agir de forma autónoma têm custos. A única solução é combinar as nossas forças e reforçar não só as nossas capacidades, mas também a nossa vontade de agir, o que implica melhorar a nossa capacidade para dar resposta a desafios híbridos, colmatar lacunas importantes em termos de capacidades, incluindo em matéria de logística dos transportes, aumentar o nível de preparação através de exercícios militares conjuntos e desenvolver novas ferramentas, como a força de primeira intervenção de 5000 pessoas que estamos a debater atualmente. Uma força de intervenção deste tipo ter‑nos‑ia ajudado a estabelecer um perímetro de segurança para a evacuação dos cidadãos da União Europeia em Cabul.
Há muitos anos que discutimos propostas deste tipo e, até à data, as divisões entre os Estados‑Membros levaram a uma execução e ação ineficientes. Tenho esperança – mas ainda não tenho garantias – de que os debates que temos vindo a realizar nos últimos anos sobre as orientações estratégicas tenham criado um entendimento comum suficiente em relação aos desafios e ameaças que enfrentamos, de forma a mobilizar a vontade comum dos Estados‑Membros.
"Relativamente à defesa europeia, tenho esperança de que os debates que temos vindo a realizar nos últimos anos tenham criado um entendimento comum suficiente em relação às ameaças que enfrentamos, de forma a mobilizar a vontade comum dos Estados‑Membros."
O que aconteceu no Afeganistão será certamente aproveitado noutros locais por intervenientes antiocidentais. No entanto, compete‑nos retirar os ensinamentos adequados: temos de estar conscientes dos perigos inerentes à realização de esforços de construção do Estado em sociedades devastadas pela guerra, que não têm a estrutura de um Estado moderno. Nenhum nível de apoio externo pode substituir uma solução política local viável, aquilo a que costumamos chamar "apropriação local". Temos de intensificar a nossa abordagem integrada, combinando esforços militares, civis, de desenvolvimento e diplomáticos, o que é especialmente importante nos esforços que estamos a desenvolver noutras partes do mundo, como no Sael.
Para além do Afeganistão, o nosso Conselho dos Negócios Estrangeiros debateu também as relações da UE com a China, que nos últimos meses se têm vindo a tornar cada vez mais difíceis, devido à assertividade crescente da China, que por vezes tem tido como alvo alguns Estados‑Membros. Temos de mostrar solidariedade, unidade e coordenação para dialogar de forma eficaz com a China.
"Para dialogar de forma eficaz com a China, temos de mostrar solidariedade, unidade e coordenação."
Olhando para o futuro, a UE trabalhará com a China sobre o Afeganistão, Mianmar ou as alterações climáticas, tendo em vista a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP‑26). Ao mesmo tempo, a concorrência em termos comerciais e económicos continuará a orientar as relações UE‑China no próximo ano. Continuamos igualmente preocupados com a situação em Hong Kong, no Sinquião, no Tibete e no mar da China Meridional, entre outros locais. Isto exige uma estratégia equilibrada e calibrada, bem como um sentimento comum de responsabilidade e unidade. Para negociar com a China a partir de uma posição de força, todos nós — instituições da UE e Estados‑Membros — temos de aplicar a abordagem multifacetada da UE, tratando a China como um parceiro, um concorrente e um rival sistémico.
A Índia, um interveniente central na região do Indo‑Pacífico
Reunimo‑nos também com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, Subrahmanyam Jaishankar. A Índia é um interveniente central na região do Indo‑Pacífico, para onde se está a deslocar o centro de gravidade do mundo. Ainda em setembro, publicaremos uma comunicação conjunta sobre a nossa estratégia para esta região. A última reunião de dirigentes UE‑Índia, realizada em maio, demonstrou quanto as nossas relações se expandiram nos últimos anos. Para além dos progressos realizados no comércio, também destacámos a agenda externa e de segurança. Por exemplo, em meados de junho realizou‑se um complexo exercício naval conjunto no Golfo de Aden. Juntamente com a Índia, podemos fazer muito para garantir que o direito internacional, incluindo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), é respeitado na região.
O domínio da conectividade constitui um tema natural para uma maior cooperação. No passado mês de maio, estabelecemos uma parceria em matéria de conectividade e temos agora de a executar através de projetos concretos. Outras prioridades urgentes incluem a luta contra as alterações climáticas e esperamos que a Índia desempenhe na íntegra o seu papel neste domínio. O nosso debate demonstrou a determinação dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE em reforçar a nossa abordagem em relação ao Indo‑Pacífico.
"Durante este verão, o regime de Lukashenko tem vindo a utilizar, de forma cínica, migrantes e refugiados para criar uma pressão artificial nas nossas fronteiras orientais. Estamos prontos a tomar todas as medidas necessárias para apoiar a Lituânia, a Letónia e a Polónia."
Por último, debatemos também a deterioração da situação na Bielorrússia. O regime de Lukashenko tem vindo a utilizar, de forma cínica, migrantes e refugiados para criar uma pressão artificial nas nossas fronteiras orientais. Os ministros estão solidários com a Lituânia, a Letónia e a Polónia e estamos prontos a tomar todas as medidas necessárias para apoiar esses países.
As reuniões informais dos ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, realizadas na Eslovénia, demonstraram que a definição da nossa política externa e de segurança europeia continua a ser um "trabalho em curso". Estamos a avançar, mas temos de garantir que a velocidade da mudança é a mesma no mundo que nos rodeia, no que toca à nossa resposta à crise no Afeganistão, mas também a outros grandes desafios geopolíticos que enfrentamos.
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