Porque é que a Europa e a América Latina precisam uma da outra
Se a UE quer ser reconhecida como um verdadeiro ator geopolítico, o reforço da nossa unidade interna não será suficiente. Devemos também recalibrar a nossa bússola estratégica, utilizando os nossos instrumentos políticos e económicos de forma mais coerente e identificando não só os riscos mas também as oportunidades de forma mais eficaz. É por isso que tenho defendido desde o início do meu mandato que a Europa deve aprofundar os seus laços com os países da América Latina e das Caraíbas.
Para dar o salto qualitativo de que necessitamos, teremos de reforçar o diálogo político ao mais alto nível. Mas, para assegurar que os nossos esforços sejam credíveis, devemos também concluir a modernização dos acordos de associação existentes com o México e o Chile, assinar o acordo pós-Cotonou negociado com a comunidade de África, Caraíbas e Pacífico, ratificar o acordo de associação com os países da América Central, e finalizar o acordo UE-Mercosul.
Embora o comércio desempenhe um papel importante em todos estes acordos, nenhum pode ser visto como um mero acordo comercial. O mais complexo destes acordos é o acordo com o Mercosul, que temos vindo a negociar há mais de duas décadas. O tango pode dizer que vinte anos não é nada, mas neste caso, é demasiado longo.
Numa visita à América do Sul no mês passado, tive a oportunidade de me encontrar com líderes da Argentina, Paraguai, e Uruguai, que detém atualmente a presidência rotativa do Mercosul. Mais recentemente, felicitei o Presidente eleito brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva pela sua eleição. Em todas estas conversações, o acordo UE-Mercosul esteve na linha da frente. Procurei transmitir a estes líderes que a vontade política para finalizar este acordo mutuamente benéfico está muito viva.
É certo que a palavra "estratégico" é excessivamente utilizada. Mas, no caso do acordo UE-Mercosul, não podia ser mais adequado. Embora alguns se lhe oponham - invocando a existência de interesses em conflito - existem argumentos convincentes para a finalização deste acordo.
Para começar, o acordo UE-Mercosul é muito mais do que um acordo comercial. É um instrumento profundamente político que, ao promover o diálogo e a cooperação, selaria uma aliança estratégica entre duas regiões que se encontram entre as mais estreitamente alinhadas em termos de interesses e valores do mundo, partilhando uma visão semelhante do tipo de sociedades que desejamos.
Além disso, de ambos os lados do Atlântico, pretendemos reforçar a nossa autonomia estratégica e melhorar a nossa resiliência económica, reduzindo as dependências excessivas. No entanto, a autonomia não significa isolamento. Pelo contrário, significa diversificar as cadeias de valor, o que por sua vez requer cooperação com parceiros económicos e políticos fiáveis.
Reunindo dois dos maiores blocos comerciais do mundo - com uma população combinada de mais de 700 milhões - o acordo UE-Mercosul seria o maior acordo comercial que a UE alguma vez concluiu. Seria também o primeiro acordo comercial abrangente do Mercosul, reforçando a integração do agrupamento.
Regras comuns abririam portas entre os nossos grandes mercados e gerariam oportunidades reais para as empresas de ambos os lados, apoiando a criação de empregos de alta qualidade na Europa e na América Latina. Reconhecendo que existe uma assimetria económica nas nossas situações, o acordo especifica que o comércio seria aberto progressivamente, dando assim tempo aos sectores relevantes para se modernizarem e se tornarem competitivos.
Os países do Mercosul querem exportar mais para a Europa, mas também querem evitar ser reduzidos a exportadores de recursos extrativos. Pretendem desenvolver a sua capacidade produtiva e de exportação, acrescentando valor aos recursos naturais através da inovação e da tecnologia, ao mesmo tempo que aderem a normas sociais e ambientais rigorosas.
Um terceiro argumento a favor do acordo UE-Mercosul reside no seu potencial para fazer avançar a ação climática e a proteção ambiental. De facto, o acordo político a que a UE e o Mercosul chegaram em 2019 foi um dos primeiros do seu género a incluir uma referência ao acordo climático de Paris. No entanto, na Europa existem dúvidas quanto à extensão deste compromisso, especialmente tendo em conta a desflorestação acelerada na Amazónia nos últimos anos. Alguns na Europa argumentam que uma legislação autónoma da UE seria a única forma credível de avançar. Mas não nos podemos isolar e mudar o mundo ao mesmo tempo. O nosso quadro regulamentar deve ser acompanhado de mais diálogo e cooperação internacional, centrado na clarificação de compromissos partilhados e na construção de cadeias de valor mais sustentáveis.
O Presidente eleito Lula deixou claro o seu desejo de defender a democracia do Brasil, curar as feridas da sua sociedade, fazer avançar a causa da justiça social, e impulsionar a economia ao mesmo tempo que aborda as alterações climáticas e a desflorestação na Amazónia. O acordo com a UE apoiaria este esforço, permitindo a partilha de conhecimentos, melhorando as normas, reforçando a proteção ambiental, e modos de produção sustentáveis. O lado europeu proporá um instrumento adicional especificando os nossos compromissos partilhados com a sustentabilidade ambiental.
Finalmente, o acordo UE-Mercosul não é um fim, mas sim um começo. Marca o início de um caminho partilhado e cria o quadro institucional necessário para facilitar a cooperação numa vasta gama de áreas de interesse mútuo, desde a proteção dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável até à regulação da economia digital e à luta contra o crime organizado. Este acordo reforçará as nossas relações não só entre governos e instituições, mas também entre parlamentares, sociedade civil, empresários, estudantes, universidades, cientistas e criadores.
Chegou o momento de abandonar as táticas de curto prazo. Num mundo de gigantes, a UE e o Mercosul representam em conjunto apenas 10% da população mundial e 20% do PIB mundial. Se a Europa e o Mercosul querem ser influentes, o acordo comercial UE-Mercosul é, portanto, um imperativo estratégico. A presidência brasileira do Mercosul e a presidência espanhola da UE, a começar na segunda metade de 2023, oferecem uma grande oportunidade para injetar o impulso de que a relação UE-Mercosul necessita.